Restauração revela belezas secretas do Solar do Maestro

Restauração revela belezas secretas do Solar do Maestro

Gente, o Solar do Maestro, futura sede do Liceu de Artes Musicais Furio Franceschini, no número 366 da avenida Nazaré, está ficando lindo demais com sua reforma e restauração, que estão terminando.

Aqui viveu o afamado maestro, músico e compositor Furio Franceschini (1880-1976) e nesse lugar sagrado já conviveu gente de sonho, como os modernistas Heitor Villa-Lobos e Mário e Oswald de Andrade, amigos do maestro.

É um projeto social da Funsai (Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga), a dona do local e financiadora das obras, direcionado a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Visitamos o casarão, leia a nossa reportagem.

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A arquiteta Georgiany Souto sorri satisfeita ao falar da descoberta das camadas sucessivas de pintura nas paredes do Solar do Maestro, construção original de 1916. Aqui, nessa janela-testemunho, nome técnico para uma amostra da decapagem sucessiva na parede qual um túnel do tempo, vamos admirando camada por camada, tempo sobre o tempo, até a primeira…

São motivos florais sutis que se revelam, flores salpicadas em cor próxima ao cinza, dispostas numa faixa contínua ao longo dos corredores de circulação, perto dos olhos e do coração.

É emocionante, o sorriso de Georgiany, restauradora do estúdio Sarasá, contratado para dar vida original ao imóvel, tem mesmo razão. O trabalho de decapagem foi conduzido com o emprego mecânico de bisturi. Foram sete meses, um trabalho minucioso e lento. É essa a fase que leva o nome geral de pintura artística, um dos eixos principais da restauração do solar.

Depois de revelada, a camada original nas paredes é restaurada, retocada e recebe camada de resina paraloid, que ajuda a fixar a tinta, diz a arquiteta.

 

 

Outro ponto crítico da futura sede do liceu de artes musicais foi o forro da casa, que estava condenado por cupins e para o qual não houve chance de restauração. “O forro precisou ser refeito do zero conforme registros de que dispúnhamos e a partir da própria estrutura dele, que revelou como ele era”, descreve a arquiteta Georgiany.

Também foi preciso reproduzir molduras de alvenaria das laterais do forro a partir da criação de moldes.

Na sala principal do casarão, onde o forro se destaca, ficavam o piano de cauda (à direita de quem entra) e o grande órgão tubular de Furio (ao fundo), aponta Cristina Vecchio, neta de Furio, sorrindo, como se estivesse numa tarde de décadas atrás, com o avô ainda vivo.

É a casa onde o maestro, compositor de mais de 600 peças e organista titular da Catedral da Sé por décadas viveu com a família por uma vida (nela ele morreu também, a 15 de abril de 1976). Lugar sagrado, de encontro entre intelectuais, amantes das artes e da música sobretudo.

O casal Furio e Maria Angelina Vicente de Azevedo Franceschini e os seis filhos (um sétimo, Carlos Tarcísio, morreu precocemente) na década de 1930. Ao fundo da sala do casarão da avenida Nazaré, o órgão tubular de Furio / Álbum de família

 

Furio e Maria, os filhos com genros e noras e netos, na década de 1950. Entrada do casarão da avenida Nazaré / Álbum de família

 

Fachadas que inspiram (e respiram)

Outro trabalho de relevo no casarão foi a busca da originalidade das fachadas dele, que incluiu o serviço de prospecção pictórica (busca da cor primeira). Começou com a remoção de uma miríade de tijolinhos cerâmicos fixados na parte inferior da fachada, que não constavam do projeto original. Fase que inquietou quem olhava da rua: “Estão destruindo o casarão!”. Era o oposto.

A prospecção mostrou que a cor original estava perto da cor de areia e não do amarelo de então. Tijolos removidos, foi a hora da argamassa, mistura da qual não entrou cimento, mas apenas cal virgem constituída de dois tipos de areia. Uma combinação que permite que o imóvel “respire”, seja mais confortável do ponto de vista da temperatura.

A dificuldade desse processo foi o tempo de secagem: em torno de três meses. Quem nos conta essa história é Jonatas Fagundes de Almeida, coordenador de obras da construtora It’s Informov, responsável pela parte da reforma do casarão.

 

A arquiteta e restauradora Georgiany e o coordenador Jonatas / Ipiranga22 Junho 2023

Portas anticupins

São fortes as 17 grandes portas (com altura de até 3,6 m) e 20 janelas (altura de até 1,4 m) do casarão! Resistiram firmes aos ataques de cupim. São de pinho de riga, madeira de lei repleta de veios. Foram restauradas numa oficina instalada no próprio quintal do Furio, mas algumas portas, em pior estado, precisaram de prótese.

Que orientação principal obedeceu o trabalho geral de restauração?, perguntamos, para fazer um balanço. “Procuramos preservar ao máximo e não reproduzir. Por isso, restaurar toma tempo e é muito mais oneroso do que comprar tudo pronto”, resume Georgiany.

Antes de sair, Cristina Vecchio passa mais um detalhe da obra em revista: “Vai ser arrumado isso aqui, não é?”, aponta para um detalhe ausente na entrada da casa. Vai, sim, respondem. E assim se encerra a nossa visita a esse lugar sagrado.

Agora, é esperar, mas que não se atrasem, porque o recital do Maestro precisa logo começar.

 

O maestro, nascido em Roma a 4 de abril de 1880, veio para o Brasil em 1904 e por aqui ficou. Casou-se com Maria Angelina, uma das filhas do conde José Vicente de Azevedo, benfeitor e político. Ganhou respeito e fama como artista e professor e foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Música. Seu acervo musical está em posse da Unesp (Universidade Estadual Paulista) / Álbum de família